Formado em Ciência Política, Economia e Relações Internacionais pela Universidade de Carleton de Ottawa, Umberto de Pretto ingressou na IRU em 1995, como Chefe de Assuntos Econômicos. Em 2002 foi nomeado Secretário-Geral Adjunto, para em 2013, se tornar oficialmente o Secretário-Geral da União Internacional dos Transportes Rodoviários (IRU).
Representando a IRU no anuário da NTC&Logística, Umberto de Pretto avalia a importância do CARNET TIR para o Brasil, “o sistema TIR é um facilitador e uma garantia do mercado das trocas internacionais e do transporte rodoviário internacional, sendo assim uma das parcerias público-privadas mais antigas e duradouras do mundo”
Confira a entrevista completa:
Como você avalia o avanço de políticas voltadas à infraestrutura no Brasil nos últimos
anos?
Inicialmente gostaríamos de salientar a grande satisfação da Organização Mundial de Transporte Rodoviário (IRU) em poder contribuir com as suas perspectivas para o anuário da NTC&Logística (NTC) de 2021-2022.
Como organização mundial de transporte rodoviário e representando mais de 3,5 milhões de empresas de transporte rodoviário em todo o mundo, a IRU está ciente dos significativos desafios e oportunidades que a nossa indústria enfrentou no ano passado no Brasil e no mundo.
Como em outros países ao redor do mundo, os esforços visando à substituição de processos físicos (em papel) por processos digitais tem sido um desenvolvimento contínuo no Brasil que o setor de transporte rodoviário geralmente tem apoiado – algumas empresas de forma mais apreensiva e outras de uma forma mais agressiva.
É certo, porém, que a atual pandemia do COVID-19 acelerou o impulso para a digitalização, exigindo menos contato humano e em papel e mais documentos digitais. Por sua própria natureza, o e-commerce e seu crescimento têm impulsionado tanto os prestadores de serviços de transporte quanto os proprietários de cargas, visando facilitar e acelerar o processo de atendimento e de entrega de mercadorias das fábricas aos armazéns e às residências em um ambiente totalmente digital.
Outro ponto a salientar é o conceito de infraestrutura soft, o qual visa à inclusão de equipamentos de alta tecnologia, de software e de redes de alta velocidade que aumentam a agilidade de transporte e de logística. Esse conceito está sendo discutido no mesmo nível do planejamento de infraestrutura hard, que se concentra no planejamento de estradas, de pontes e de áreas de descanso. Conceitos como melhorias de “segurança e proteção” são elementos centrais do investimento em infraestrutura física. No entanto, esses termos também podem ser alocados para um mundo digital no qual os dados são produzidos, armazenados, transmitidos e utilizados por atores da cadeia de suprimentos, como clientes, provedores de serviços e agências governamentais, mas também concorrentes ou, potencialmente, organizações criminosas.
Desta forma, se faz necessária a existência de uma política robusta que proteja as empresas de transporte de abusos, de atividades ilegais e de sua vulnerabilidade digital e que ao mesmo tempo as beneficie do desenvolvimento de infraestrutura digital em larga escala. Inclusive, cabe salientar algumas questões relevantes que estão sendo suscitadas por empresas de transporte rodoviário (uma vez que veículos e sistemas de bordo produzem uma grande quantidade de dados para aumentar a eficiência e eficácia operacional): quem é o dono dos dados? É quem armazena os dados?
Além disso, na qualidade de representantes e de líderes da indústria, precisamos garantir que os governos invistam em infraestrutura leve e pesada no Brasil para que o transporte rodoviário possa ajudar outros setores econômicos a entregar seus produtos aos mercados nacional e global visando desta forma ao crescimento econômico. Isto inclui a construção de novas estradas e a manutenção das rodovias existentes, as quais são a base do nosso trabalho diário e que continuamos a usar em larga escala já que nossa indústria fornece alimentos, medicamentos, roupas e outras necessidades básicas, inclusive durante a pandemia da covid- 19. Também é imprescindível garantir que os nossos “heróis da estrada”, motoristas profissionais, tenham áreas adequadas e seguras para o descanso necessário.
Por fim, podemos mencionar que os esforços do Brasil no estabelecimento de Conhecimentos de Embarque e de faturamento eletrônicos são comparáveis aos esforços da IRU na implementação da versão digital da Convenção CMR (e-CMR). Com base na nossa experiência, recomendamos que tais esforços contem com a contribuição da NTC e de seus membros, compartilhando com os setores responsáveis as suas preocupações, desafios, soluções e potenciais melhorias para atender às necessidades operacionais diárias do transporte rodoviário.
Como você avalia a importância do CARNET TIR para o Brasil e as vantagens econômicas e logísticas? Além disso, quais países da América do Sul aderiram ao TIR e qual a importância da NTC&Logística em relação ao andamento desse projeto?
O sistema Transportes Internacionais Rodoviários (TIR) é um sistema de trânsito internacional que se baseia em uma convenção da ONU (a Convenção TIR), implementado em uma parceria público-privada internacional iniciada em 1949.
O sistema TIR é um facilitador e uma garantia do mercado das trocas internacionais e do transporte rodoviário internacional, sendo uma das parcerias público-privadas mais antigas e duradouras do mundo. Ao longo da sua evolução, a sua flexibilidade de adaptação a um ambiente econômico e geopolítico em constante mutação fez do sistema TIR o mais eficaz acordo multilateral de comércio em vigor que promove o transporte sem negligenciar os instrumentos de segurança.
A adesão de um país ao Sistema TIR lhe propicia 1) a facilitação dos procedimentos de passagem nas fronteiras e do cumprimento das formalidades alfandegárias na partida e na chegada (e não a cada fronteira); 2) a garantia ao pagamento dos direitos e das taxas alfandegárias; 3) o impulso nas trocas internacionais e a consequente redução de custos; 4) a utilização de pré-declarações e de ferramentas de gestão de risco on-line e sem custos, entre outros benefícios.
Como é de conhecimento notório, tempo é dinheiro! Assim, o processamento de cargas e de veículos que trafegam sob o sistema TIR, e principalmente sob a solução TIR digital, resultará em 1) economia financeira para a transportadora, reduzindo o tempo que caminhões e motoristas levam nas passagens de fronteira; 2) aumento da capacidade de processamento da alfândega; 3) aumento do comércio e de volumes e a possibilidade do aumento da arrecadação de receitas desses fluxos de carga. Além disso, a aceleração dos procedimentos nas fronteiras também beneficia as operações logísticas, permitindo que os operadores de transporte entreguem a carga mais rapidamente aos clientes. Em essência, os escritórios alfandegários, os transportadores e os proprietários de cargas se beneficiam da implementação do TIR, tornando-se uma operação em que todos os relevantes intervenientes são beneficiados.
Como o TIR exige que a indústria e o governo trabalhem em conjunto, criando uma relação sólida como parceiros de trabalho, a IRU acredita que a parceria com a NTC será de grande importância para impulsionar a adesão e a implementação do TIR no Brasil e para o comércio regional na América do Sul. No Brasil, a NTC pode ser a força motriz dessa parceria trabalhando em estreita colaboração com as autoridades nacionais. Por exemplo, a NTC pode desempenhar um papel importante na profissionalização dos operadores de transporte em conformidade com as disposições da Convenção TIR.
Atualmente, Argentina, Canadá, Chile, Estados Unidos e Uruguai são os países das Américas que aderiram à Convenção TIR, países com os quais o Brasil mantém relações comerciais muito estreitas e três dos quais compartilham fronteiras terrestres internacionais.
Além disso, a Guiana Francesa, um departamento ultramarino da França e, portanto, também beneficiário do TIR, incentivou o Brasil a aderir ao TIR visando à facilitação do comércio transfronteiriço.
O TIR também pode ser considerado um instrumento adicional facilitador para o comércio no MERCOSUL e no resto da América do Sul, e ainda com outros países do mundo que são signatários do TIR, incluindo União Europeia, China, Rússia, Oriente Médio e outros. Por exemplo, por meio da iniciativa dos Corredores Bioceânicos, o Brasil poderia usar o TIR para chegar aos portos chilenos de forma mais eficiente, através de múltiplas fronteiras, e assim enviar cargas para a Ásia.
É importante destacar ainda que o TIR é um acordo “intermodal” que permite que cargas e contêineres viajem pelo mundo sob uma única garantia e sob um único sistema, acelerando o processamento de embarques pelas alfândegas do ponto de origem ao destino final e acelerando a saída de cargas dos portos pelas alfândegas. Dessa forma, em termos de comércio entre o Mercosul e a União Europeia, o transporte de cargas também se beneficiaria de processos acelerados de carga e descarga nos portos, como vimos nas operações no Mediterrâneo.
Vimos recentemente também os benefícios da implementação do TIR no Oriente Médio e temos certeza de que o Brasil e seus parceiros comerciais regionais se beneficiariam muito de um instrumento comercial global na América do Sul. À medida que o Brasil continua a aumentar seu comércio internacional regional e globalmente, a Convenção TIR pode ajudar o setor a acelerar e simplificar o comércio e o transporte, removendo longos processos de fronteira que desperdiçam recursos financeiros e humanos, bem como tempo, para empresas de transporte e profissionais.
E facilitar o comércio através das fronteiras internacionais é algo que o TIR e a IRU realizam há mais de 70 anos!
Como você avalia o transporte de cargas na América Latina?
Cada região tem desafios únicos e específicos. A América Latina não é diferente. Contudo, a região compartilha de um fator comum e essencial a todos os outros países do mundo: sem caminhões, tudo para!
Embora o setor de transporte rodoviário tenha muitos desafios na América Latina, a indústria é um ator essencial no desenvolvimento econômico, na geração de empregos e no apoio a todos os outros setores da indústria para levar seus produtos ao mercado. É um setor em que muitas empresas são agora dirigidas por familiares e empresários de segunda ou de terceira geração. Inclusive, a IRU gostaria de aproveitar esta oportunidade para parabenizar a NTC e seu programa Jovens Executivos, a COMJOVEM, por estabelecer um encontro da indústria em que os novos líderes do transporte rodoviário se reúnem para compartilhar conhecimento, informações e experiências.
Em alguns países da região, mais de 90% das cargas são movimentadas por caminhões, e em muitos outros países da América Latina este movimento é superior a 80%. Da mesma forma, embora existam várias empresas de grande porte operando no mercado interno, a grande maioria das operações é realizada por operadoras de pequeno e de médio porte, representando mais de 90% das empresas na maioria dos casos.
Um importante desafio na América Latina é a renovação da sua frota de veículos, que é muito antiga. Alguns países têm veículos comerciais com idade média de 17 anos ou mais. Portanto, há grande oportunidade de desenvolvimento para a América Latina nas áreas de renovação e de modernização da frota, com veículos que tendem a poluir menos e que possuem tecnologias de segurança e de proteção mais avançadas, além de maior confiabilidade. A IRU participou da feira de caminhões organizada pela NTC, FENATRAN, um evento de ponta que apresenta os mais recentes equipamentos e tecnologias disponíveis para empresas de transporte rodoviário no Brasil e na América do Sul. Precisamos tomar todas as medidas possíveis para modernizar a frota de veículos comerciais na região.
Outra área em que devemos nos concentrar são as estruturas regulatórias sólidas e a necessária fiscalização para reduzir a participação de atores informais no setor. Os operadores informais têm um impacto negativo direto na segurança viária e no meio ambiente e representam uma desvantagem competitiva para todas as empresas profissionais que operam dentro da lei e dos regulamentos, afetando diretamente suas receitas. Os países devem trabalhar para “formalizar os informais” ou para garantir que a aplicação das leis não permita que eles operem.
Por falar em receita, o impacto do aumento dos custos de combustível, os aditivos para novos motores, os altos custos de pedágios e de outras taxas rodoviárias e da carga tributária geral sobre as operações das transportadoras são desafios comuns que são mencionados à IRU por nossos membros e amigos na América Latina.
Assim, por meio de nossa Plataforma de Inteligência, a IRU espera poder trabalhar diretamente com dados fornecidos pela NTC e por outros membros da região para melhorar o benchmarking dos transportadores (em comparação a operações semelhantes realizadas em outros países e regiões) e para auxiliar os esforços de advocacy para melhorar os ambientes operacionais.
A IRU está pronta para trabalhar com a NTC e com outros membros, além de instituições financeiras internacionais, para ajudar a apoiar o desenvolvimento do transporte rodoviário na América Latina e na região.
Quais projetos a IRU tem planejado para 2022 em contribuição ao transporte de cargas?
A crise contínua da covid-19 e os vários impactos econômicos, sociais e políticos que ela impôs ao mundo não têm precedentes. As cadeias de suprimentos globais e regionais estão em desordem, afetadas por várias e diferentes questões operacionais. Mas uma coisa está bem clara: os serviços de transporte rodoviário são essenciais para manter as cadeias de suprimentos, estoques e lojas de varejo bem abastecidas com bens essenciais do dia a dia, inclusive no Brasil. A IRU continua trabalhando junto aos órgãos públicos no tocante às restrições impostas equivocadamente ao setor durante a pandemia, incluindo aquelas que afetam as operações domésticas e transfronteiriças. Devemos continuar pressionando os governos e as organizações internacionais para que os comércios doméstico e global não sejam prejudicados por soluções injustas e descabidas.
Além disso, estamos trabalhando em importantes iniciativas globais que têm impacto no transporte rodoviário atual e futuro. As iniciativas de sustentabilidade e de descarbonização trarão mudanças revolucionárias, mas provavelmente também disruptivas. O desenvolvimento de novas tecnologias de veículos e de motores e dos combustíveis necessários (incluindo combustíveis alternativos), bem como as infraestruturas e as redes de distribuição ainda a serem desenvolvidas para garantir a sua disponibilidade, foram temas centrais em 2021 e continuarão sendo em 2022. O projeto Green Compact, lançado pela IRU em 2021, ajudará a orientar a nossa indústria global e seus reguladores, fornecedores e clientes a alcançar a neutralidade de carbono nas próximas três décadas. Aguardamos a contribuição da NTC nesta área, considerando sua experiência com combustíveis alternativos e com o aumento da produtividade dos equipamentos.
Conforme discutido anteriormente, o apoio à implementação da digitalização em substituição aos processos físicos continuará. Precisamos garantir que as operações não sejam indevidamente interrompidas e que a digitalização seja implementada quando e onde fizer sentido. Neste sentido, o governo e a indústria precisam trabalhar lado a lado de maneira conjunta e cooperativa.
Compartilhar experiências nacionais com membros regionais e globais para lidar com a escassez global de motoristas também é fundamental. Uma pesquisa realizada pela IRU mostrou que 24% dos cargos de motorista profissional não são preenchidos globalmente. Devemos incentivar os governos a combater a escassez crônica de motoristas, reduzindo a idade mínima para motoristas profissionais quando necessário visando atrair uma demografia mais jovem para nossa profissão. Além disso, deve-se treinar mulheres e facilitar o acesso delas para atraí-las ao setor. A IRU tem ciência de que os membros do NTC vêm liderando a contratação de mulheres como motoristas e para outras áreas operacionais e administrativas de suas empresas. Esperamos poder divulgar e dar apoio a essas iniciativas nacionais quando possível e parabenizamos a NTC e seus membros por essas iniciativas.
Nossa agenda de trabalho de advocacy é também extensa. Engloba os temas da covid-19, as interrupções na cadeia de suprimentos, o aumento dos preços dos combustíveis e as iniciativas iminentes de descarbonização.
Também trabalhamos ativamente na expansão e na implementação do TIR em diversos países.
Todos devemos trabalhar juntos como uma indústria global a favor do transporte rodoviário. A IRU agradece a participação ativa e o apoio da NTC na defesa de milhões de empresas, funcionários e consumidores em todo o mundo que dependem do transporte rodoviário todos os dias.
Qual mensagem você deixaria para os transportadores brasileiros?
Gostaríamos de lembrar que todas as empresas brasileiras de transporte rodoviário fazem parte da grande família global da indústria, a IRU, a qual entende os desafios vivenciados pelos transportadores e se solidariza com eles. Esses são problemas que ocorrem no mundo inteiro. A indústria está em constante mudança, desde a digitalização até os padrões de motores. Todos os dias temos notícias de pequenas, médias ou grandes empresas que gostariam de se especializar ainda mais em operações específicas (como mercadorias perigosas ou cargas consolidadas) ou em oferecer serviços logísticos multimodais mais integrados e de valor agregado.
Queremos trabalhar com vocês em 2022 para criar e compartilhar conhecimento e ideias que ajudem os operadores de transporte rodoviário a ter sucesso, nacional e internacionalmente. A IRU apoiará a NTC e a indústria brasileira compartilhando informações, dados e, possivelmente, soluções para os desafios que as empresas enfrentam no Brasil. O nosso programa RoadMasters, por exemplo, propicia ferramentas aos transportadores para alcançar níveis mais altos de profissionalização.
Em poucas palavras a nossa mensagem, em nome da família IRU, para os nossos amigos da indústria brasileira é: “Vocês podem contar conosco. Já contamos com vocês!”
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